julho 31, 2005

saudades de...

... um tempo em que nunca vivi...
... uma história que desconheço...
... um gosto que ainda não experimentei...
... uma boca que nunca beijei...
... uma vida que nunca foi minha...

... pode ser que nosso coração seja como a gota de orvalho que Tom observava naquela singela pétala de flor.

julho 27, 2005

segundos de lucidez

- Ei! Vem cá.
- O que é?
- Olha.
- Hum...
- Viu?
- Vi.
- Olha bem!
- Tô vendo. O que tem?
- Cega. Bem aqui, ó!!!
- Ah...
- Olha que horror!
- Pois é...
- Então?!
- Então... o quê?
- O que tem a me dizer?
- Meus pêsames.
- Como??
- Hã... é... é uma pena... mas não parece ter sido muito grave...
- Arrgh! Eu quero um pedido de desculpas!
- Mas não fui eu!
- Uhum... claro que não foi você. Vai ver fui eu mesmo. Devo estar senil pra não ter percebido ou ouvido nada quando aconteceu. Devo ter perdido a mão. Ora... você é tão cínica...
- Caramba. Nem sei o que dizer. Eu nem saí de casa hoje!
- Vai ver foi por isso. Veio limpar e arrastou algum anel, vassoura ou algum pinduricalho ridículo... esse seu figurino é de matar qualquer um...
- Escuta. Não vou mais discutir com você. Já basta. Não fui eu.
- Claro... vai ver foi o cachorro.
- Deve ter sido ele mesmo. Você o deixa solto por aqui e vive ensinando o coitado a entrar sozinho no seu “bebê”.
- Se enxerga! Ele é muito mais inteligente que você.
Ele se abaixou, lambeu o polegar direito e acariciou o carro.
Ela o olhou por 5 segundos exatos.
- Sei... mas olha... não se preocupe. Acho que o arranhão vai sair bem mais barato que a separação. Vou arrumar minhas malas. Estúpido.

julho 25, 2005

sugestivo

Tempo de reformas em casa. Móveis desmontados esperando carona.

Tinham comprado um rolo de dez metros de plástico bolha. Aqueles que a gente encontra em embalagens de coisas novas e não resiste à tentação de ficar estourando, bolhinha por bolhinha, até alguém irritado gritar.

- Pelamordedeus, pára com isso, criatura!

Forraram o chão de um dos cômodos. Sujeira de reforma, dentro de casa, é praga. Entra em cantos inimagináveis. O plástico era só uma tentativa de minimizar os danos.

Esperou um momento sozinha. Andou de lá pra cá. Sorriso no rosto. Ploc. Plocploc. Plo-ploc-plo-p-prrrrloc. Deitou-se. Rolou de lá pra cá. Ria. Os cotovelos passando pelo chão faziam estourar muitas. De bruços, os ossinhos salientes da bacia tinham um efeito parecido. Os joelhos. Os calcanhares. Até com o queixo era engraçado. Não era só o ouvido que se divertia, a pele também. Os indicadores iam andando em filas paralelas estourando uma por uma. Soava até ritmado. Deixou o corpo largado olhando pro teto por um momento. Sonhou. Uma companhia cairia muito bem por ali.

julho 23, 2005

transição

De repente viu se abrir. Vuuussssshhhhhh. Não tinha mais chão e começou a cair.

Caía... caía... gritava... chorava... caía... debatia... desesperava-se.

Estava perdido. Não sabia viver assim. Via as informações passarem ao seu redor numa velocidade incrível e não conseguia assimilar todas elas. Ouvia as pessoas discutirem intensamente sobre o buraco negro e tudo começou a soar tão irritante, tão doído, que, muitas vezes, fechava os olhos tentando fechar os ouvidos. Não conseguia, evidentemente. Mas sobreviveu.

Será que aprendeu a voar? Ninguém sabe. Ninguém obteve mais notícia. Deve ter sido sugado pelo escuro. Ou deve ter encontrado outro tipo de chão.

julho 19, 2005

aprisionado

Completamente encurralado. Entre uma parede e outra não via por onde poderia sair. Nem lembrava como tinha chegado àquela situação. Estava confortável, sim, mas ficou preocupado. Sentia-se bem. Na verdade, sentia-se ótimo. Na sua cara dava pra ver o sangue novo e vermelho escarlate.

Deu-se conta de que sua preocupação não era com o como conseguiria sair dali, mas com o dia em que escancarassem uma porta ou uma janela, quando ele saberia que não mais bateria descompassado. Quando teria certeza de que teria que voltar, livre, a soar o ritmado e sem-graça tum-tum cotidiano.

julho 16, 2005

nostálgico

Atravessou a porta do teatro.

! Parou um instante !! e sentiu o cheiro úmido da rua. ! Fechou os olhos !! e inflou o peito com calma. ! Expirou e curvou timidamente os lábios. ! ! Andaria até em casa. ! Não tinha pressa. !! Começou a reconstruir o concerto na cabeça, ! a relembrar as melodias ! principais. ! Sentia saudades. !! Não era incomum derramar !! algumas lágrimas ao ouvir ! os solos menores do spalla. ! Queria ! poder tocar daquele jeito!. Não para !! emocionar outros, ! mas para poder ! sentir seu coração ! ! e sua respiração !! confundidos com as vibrações ! e os silêncios das quatro cordas. !!! As curtas cinco quadras que separavam o teatro de seu apartamento ! se tornavam ainda mais ! bonitas no fim de tarde molhado. !! Sentia o momento de !! abandonar aquela cidade chegar muito rápido. ! Mas voltaria, !! certamente. ! Buscou a chave ! no bolso. !! Colheu mais uma gota ! e lambeu os lábios. !!!

Fechou a porta e tirou os sapatos. ___ Agradeceu ao vento por poder sentir o rosto gelado antes do banho quente.

julho 14, 2005

neblina [2]



Pena que nem sempre é tão bom ver as coisas de forma clara. A neblina pode ser mais cômoda que a luz aos olhos...

neblina



Tem momentos em que a gente não consegue enxergar um só palmo a frente do nariz.

julho 13, 2005

bem no meio do início do caminho...

... tinha uma pedra.

Obsessividade por organização, sabe?! Quando as meias estão jogadas num canto do quarto, no outro se vê embolada a roupa que se usou ontem, pilhas de papéis e jornais sem-teto, perfume fora do lugar, óculos perdidos embaixo de fotos.

Mesmo os vários livros abertos em cima de uma mesa precisam estar razoavelmente arrumados. Canetas, lápis, borracha. E o celular ao lado para não perder a hora e nenhuma mensagem ou ligação inesperada. Quando o ambiente externo parece minar o interno. Insanidades... que remédio?!

O jeito é aprender a arrumar a casa e escrever ao mesmo tempo. Até que não parece tão impossível...