outubro 26, 2005

identidade (3)

- Sai! Sai! Pedro, tira essa gente daqui.

- Mas... peraí. O que você vai fazer?

- Tô levando a garota. Eu a conheço.

- Mas... cara...

- A gente vai levá ela pro hospital, não se preocupe.

- E esse sangue todo...

- Tá. Toma a minha camisa. Entra aí e tenta estancar.

outubro 21, 2005

identidade (2)

De repente, senti-me como um floco de neve numa encosta íngreme abalada pelo vento. Esforcei-me para que meus pés acompanhassem o ritmo forte da multidão. Apavorante era a sensação de um iminente atropelamento. Rumo à escadaria da igreja, meu corpo ia sendo levado pelos movimentos dos outros. Indescritível desespero. Meu coração na boca. Meus olhos embriagados viam meu corpo no chão.

Ouvi os porretes baterem em escudos de plástico. Os gritos já eram outros.

Chegando ao primeiro degrau, senti-me mais livre e resolvi mudar de direção. Não era fácil remar contra a corrente. Mas tinha que deixar a fumaça pra trás. Finalmente conseguia correr. Não sabia pra onde estava indo. Não me vi chegar à avenida.

O freio berrou junto com a buzina. Por último, ouvi o impacto da cabeça no pára-brisa.

outubro 10, 2005

identidade

PÁ!!!

Sonoro e inesquecível. Dava pra imaginar a dor que sentiu pela marca vermelha que ficou no lado esquerdo de seu rosto. Não derramou uma só lágrima. Nem levou a mão ao lugar do tapa. Ao abrir os olhos, não hesitou em encará-la. Não revidou. Não reclamou. A mãe o agarrou pelo braço e foi levando-o para longe.

Fiquei imaginando quem seriam eles. O que estaria na cabeça daquele rapaz, tão jovem e tão adulto. Desliguei-me um pouco da multidão, que gritava. Deixei cair a bandeira e tentei seguí-los. Ainda vi os cabelos encaracolados da mãe entre aquela imensidão de cabeças por alguns segundos. Depois sumiram feito fumaça.

Fui puxada com força por alguém. Virou-me. Apertou meus ombros e arregalou seus olhos me perguntando se eu tinha visto seu filho. Perguntei-lhe sobre idade, feições. Eu sabia quem ele procurava. Contei sobre a mulher dos cachos e, imediatamente, o homem largou meus ombros e beijou minha mão. Outro desaparecimento.

Senti-me atropelada por uma história, cujo começo e fim me eram desconhecidos. Mas tenho uma estranha desconfiança de que haverá um reencontro.