dezembro 11, 2011

sacia-me

Finalmente acordou. Sentiu dificuldade para abrir os olhos e ver decentemente as coisas ao seu redor. A cada pequeníssimo ajuste de foco, a ruga aumentava em sua testa. Não sabia onde estava.

Depois de alguns minutos tentando decifrar se aquilo era sonho ou se era uma misteriosa realidade, deu-se conta que também não sabia de quando se tratava. Ao repassar na memória o que o tinha levado àquele ponto, descobriu que se esqueceu de quem era.

Aquilo foi lhe dando um desespero tão grande, tão devastador, que seus olhos, antes irritados com a luminosidade, já não cabiam mais em seu rosto. Algumas lágrimas de pavor já lhe escorriam na face e as mãos, como numa tentativa de silenciar o que não sabia dizer, espremiam a boca contra os dentes.

Levantou-se da cama e, como um cego, foi tateando a realidade mais próxima. Móveis, roupas tinham que lhe explicar alguma coisa e abriu as gavetas devagar, como se invadisse a privacidade de alguém. Pegou uma camisa e colocou-a sobre o corpo. Sim, aquelas roupas poderiam ser suas, mas vestiu-a para ter certeza. E os vestidos? Achou que não lhe serviriam e nem ousou tocá-los. Mas nada lhe trazia sua história de novo.

Alcançou uma mesa de trabalho. Tentou ajuda através do laptop, mas como ultrapassar o login? Concentrou-se, então, nos papéis. Algumas contas lhe indicavam um nome que não reconhecia. Seria o seu? Começou a repeti-lo mentalmente, como se quisesse obrigar o cérebro a revelar-lhe algo. Aliás, era exatamente esse o lugar em que precisava procurar por sua vida, mas não sabia como fazê-lo. Pensou que, na pior das hipóteses, poderia telefonar para algum terapeuta que pudesse lhe fazer uma hipnose. Mas preocupou-se com a possibilidade de ser informado sobre suas próprias memórias.

Foi quando encontrou um celular. Teve um prazer tão grande ao ver aquele aparelho que não pôde conter a manifestação enfática de sua voz, tão silenciada pela visão daquele tudo tão incrivelmente novo. Pôs-se a mexer freneticamente no telefone.

Mas nenhum pedaço de realidade do qual tivesse notícia lhe era suficiente, porque não buscava informações, buscava inspirações, gatilhos. Queria a ponta da fita que lhe indicasse o caminho para todo o resto, o fio perdido da linha, alguma sombra do caminho de volta. Queria o seu passado, não para conhecê-lo, e sim para reconhecê-lo.O vácuo da sua memória começava a lhe doer o estômago, a lhe dar náuseas, a lhe desencadear uma crise de pânico.

Porém, antes que a sensação de morte lhe dominasse o corpo e o pensamento, identificou os passos que precederam o barulho do trinco da porta baixando. Ficou paralisado na expectativa de um bálsamo, mas a figura do homem que lhe apareceu à entrada não foi esclarecedora.

- O que você está fazendo aqui?

E desmaiou, extenuado.

junho 30, 2011

pimenta em barril de carvalho

Quando se é adolescente, é comum pensar que se sabe tudo. E ainda mais comum serem esses momentos intercalados por crises de angústia pela incerteza total da vida. 

Não sei se quero fazer medicina ou direito, mas sei que quero morar em Paris.

Depois a gente aprende. Ri e chora do que fez e pensou. Das coisas que disse, dos impulsos que concretizou, das certezas tão infantis. Afinal, aquele olhar não era de tesão, e sim de petulância. Não lhe faltava tempo, mas lhe excedia a desorganização. O arrependimento pela decisão não foi responsabilidade dos coroas, foi falta de coragem mesmo. Há muitas vantagens quando se mora com os pais. Enfim... aquele não foi seu primeiro amor e também não foi aquele seu primeiro orgasmo.

Chega de mansinho o momento em que finalmente compreendemos melhor a linguagem universal do olhar e não confundimos mais desejo alheio com simples curiosidade. Ou, ao menos, acertamos mais quando julgamos uma troca de olhares. 

A vida fica mais acomodada, é bem verdade, e é por isso que temos a impressão de que ela fica mais entediante também. Mas essa já é a ilusão da maturidade. É uma clareza muito mal aproveitada pelos que ultrapassam a adolescência com louvor. 

Afinal, que mundo mágico e divertido pode ser esse o de confundir e o de esclarecer os outros só com o olhar? E esse é só um dos temperos deliciosos que adquirimos com os anos.