janeiro 19, 2006

na tua presença...

Enquanto todos bebiam e falavam alto no apartamento, ela pegou o aparelho, os fones e os chinelos e desceu.

A noite tinha acabado de cair. A lua estava baixa, amarela, enorme. Ao sentar à beira do mar, fez Villa-Lobos começar. Todos os acordes pareciam combinar com o cheiro da areia. Passou a respirar fundo e seu coração parecia bater mais lentamente. Era capaz de sentir o peito estremecer no ritmo compassado - acellerando e diminuendo - do Trenzinho Caipira.

Olhou pra lua durante muito tempo. Via aquele reflexo fascinante na água. Imaginou-se boiando naquela mancha branca, recebendo no rosto as palavras alvas do astro. Será que a veria de forma diferente se estivesse ali? Como seria ser duplamente invadida, pela melodia que lhe fazia sentir no meio da floresta e pelo clarão da lua, flutuando sobre as leves ondas daquele comecinho de oceano?

Estirou-se pela areia abrindo os braços. Fechou os olhos. Pôs-se a falar.

Então... agora, sim, dá pra conversar. Agora somos só eu e Você.

janeiro 15, 2006

a desvendar nesse ano novo...

Poderia ter sido uma história comum. A moça iria para o cinema e ficaria curiosa sobre a trilha sonora. Ao permanecer sentada durante os créditos, veria aquele rapaz, com os cabelos encaracolados, e dividiria sua atenção entre as obras e seus compositores e os cachos e aquele elástico. Mas sairia do cinema sem cumprimentá-lo. Quem sabe, o encontraria novamente, dali a alguns meses, num restaurante japonês ou numa casa de boliche. Numa peça de teatro ou num concerto. Passeando pelo Eixo Monumental, ele, distraído, olhando para cima, esbarraria nela e ela pediria desculpas. Ela notaria a gargalhada dele. Ele ficaria curioso sobre aquele jeitinho de levantar na ponta dos pés.

Mas isso é subjuntivo.

No indicativo, numa multidão de possibilidades, as letras dele esbarraram com as dela. Entre um uivo e outro, as imagens que se formavam entre aqueles três espelhos em triângulo lhe chamaram a atenção. Aconteceu tudo ao contrário. Do fim para o começo, conheceram letras, voz, imagem, pele e cheiro. De trás pra frente na exposição, já tinham bebido metade da água quando conseguiram ver o copo.

Complexo, não?! Não mais do que desafiar a distância, que convive com uma estranha proximidade desses dois corações enlaçados.