outubro 25, 2009

enigma

Ele desaguava. Vi de relance seus olhos inchados e seu rosto vermelho. Com as mãos na testa, os cotovelos sobre os joelhos, sentado no meio-fio daquela ruazinha de paralelepípedos, parecia que seu desespero podia ser compartilhado com os poucos que passavam.

Confesso que fiquei um pouco atordoada. Apesar de todas as discussões sobre as complicadas relações de gênero, estava chocada com aquela cena cujo protagonista era um homem. Levei alguns segundos ainda para voltar a dar conta de mim.

A curiosidade e uma empatia inexplicável com aquele rapaz, agora, quase desconhecido me fez entrar num café da esquina, pedir uma água e sentar na esperança de que sua tempestade passasse.

As lágrimas, que se concentravam no queixo, formavam pequenas manchas escuras em sua calça.

Depois de algum tempo, entrelaçou os dedos sobre a nuca, soluçou mais algumas vezes e respirou fundo. Levantou a cabeça e passou a olhar para um ponto indefinível, do outro lado da rua.

Paguei minha água e levei a garrafa comigo. Aproximei-me dele e, como se quisesse sentar sobre os calcanhares, abaxei-me. Quando virou o rosto, percebendo minha presença, ofereci-lhe a água. Ele contraiu os lábios e piscou longamente. Pegou minha garrafa, levantou-se e esperou que eu fizesse o mesmo. Enfiou a mão no bolso e me estendeu um papel amarrotado.

- Livra-se dele pra mim?

Profundamente tocada pela situação, apoderei-me do que ele desprezava sem encontrar palavra melhor que o silêncio. Ele me virou as costas e partiu.

Percebi que o que tinha nas mãos era, na verdade, um envelope.

"Para a misteriosa Ana."

2 comentários:

Mythus disse...

O fim de mais uma paixão platônica. Ele descobriu quem era Ana. E o pior: descobriu acidentalmente.

DoC disse...

Vc nunca perde o dom de me fazer parar tudo pra ler seus textos.
:)