setembro 25, 2009

si bemol

Teve o privilégio de conhecer o piano muito cedo. Ninguém precisou convencê-lo a frequentar aulas de música. O prazer com que tomava as lições, repetia os exercícios, ouvia as histórias de grandes compositores enchia a professora daquela esperança tola que instrumentistas frustrados mantêm sobre seus filhos ou pupilos.

E, certamente, não era ilusão. O pequeno tinha facilidade e vontade de aprender os mistérios daquelas sequências de frequências. Como toda criança, perdia-se no tempo. Durante os fins de semana junto aos primos, as partituras e os pedaços de marfim descobertos juntavam pó. Mas, nas poucas horas antes da aula, lembrava-se de estudar e tentava reaver a semana mal aproveitada. Mesmo assim, conseguia surpreender a tutora.

O fato é que sempre estabeleceu uma comunicação muito franca entre as melodias que aprendia e que tinha no meio do peito. Era o que fazia com que nem umas nem outro permanecessem os mesmos. Deixava-se tocar pela música e fazia-se interpretar através dela.

Mas as inconstâncias da adolescência fizeram-no abandonar os estudos.

Poucos anos depois - largado o piano -, foi presenteado com um imenso incentivo: um violino. Desdobrou-se para conseguir dar conta das expectativas e surpreendeu-se quando se descobriu apaixonado. E a história se repetiu.

Diante do fim do período colegial, o futuro que estava desenhado para ele era a faculdade. Ousou pensar em música e, por mil e uma razões, só ousou pensar. Adquiriu, então, uma vida dupla. A faculdade acumulou-lhe tarefas.

De forma contraditória, a mudança de cidade lhe trouxe crescimento musical. Começou a ter aula com um dos melhores professores, passou na seleção para um grande conservatório, investiu nas aulas de teoria, ingressou na orquestra universitária, enamorou-se de uma flautista.

O fim da faculdade expôs novamente o problema. Mas insistiu em morar fora até que terminasse o curso básico de música. Quase um ano depois, não pôde e nem quis recusar uma boa oferta de trabalho. Voltou para casa e sonhou poder continuar a trilhar dois caminhos. Não conseguiu.

A partir daí, as poucas vezes que foi a concertos viu a orquestra com o olhar turvo. O precioso instrumento, dolorosamente inesquecido, sofria calado as ações do tempo esperando ansioso o momento de voltar a vibrar.

4 comentários:

Mythus disse...

Esta não será a biografia do seu sobrinho. :^)

bom relê-la!

Rafael disse...

Lelê, queridíssima. O texto me deu saudade do seu piano, inevitável. Saudade de você também. D'a gente tocar violão, da sua voz de canarinho.

A falta de tempo tem levado nossa amizade pra longe, menina. Precisamos bater papo.

Beijo, beijo.

Anônimo disse...

depois de tempos esquecido, eis que retorna, o blog. Suave, compassado, com passado, gostoso de ler, com no recente passado. Não teve outro jeito, foi parar na barra de favoritos

Anônimo disse...

depois de tempos esquecido, eis que retorna, o blog. Suave, compassado, com passado, gostoso de ler, como no recente passado. Não teve outro jeito, foi parar na barra de favoritos