maio 02, 2007

quase confidentes

Final da tarde. Ela passou pela quadra e diminuiu o passo para admirar a luz alaranjada... oblíqua. Árvores e grama. Cenário comum em Brasília. Parou.

Quanto tempo poderia ficar fitando as flores meio lilás, dispostas nos galhos compridos e sem folhas de uma árvore que mais parecia saída de algum filme japonês? Era tão linda. Vai ver a vida se realiza nesses momentos.

Atravessou a rua e resolveu deitar debaixo daquela Senhora tão exuberante. Agora a via de outro ângulo, mas com a mesma admiração. De repente, sentiu como se ela quisesse se comunicar. Uma flor pousou levemente em seu rosto. Devia estar dizendo: "Por que estás tão sozinha?".

- Não sei... o certo é que eu não deveria estar aqui. Tenho muitas coisas por fazer, pouco tempo pra tudo.

E a Senhora continuou lhe encarando, com seus milhares de olhos... "Tem uma ruga na sua testa..."

- Já vi. Ou melhor, sinto-a todos os dias. Mas não sei como resolver. Na verdade, nem sei direito o que se passa. Às vezes, acho que é falta de amor, às vezes, excesso. Às vezes, acho que é a solidão latente que me acompanha no meio das presenças sempre distantes na minha vida. Tudo parece tão perto, mas é sempre tão longe.

Um vento mais forte passou entre elas, balançou aqueles galhos secos de folhas, cheios de flores.

- Não, não. Eu estou bem. E se não estiver, vou ficar. Eu sempre fico bem. É só essa nuvem que me incomoda. Parece pesar sobre os meus olhos, meu pensamento, meu coração. Parece me tirar todas as certezas e substituí-las por dúvidas com as quais não sei lidar.

Duas flores mais tocaram-lhe o corpo. Uma na barriga, outra no cabelo. Ainda deitada, a menina tinha os olhos brilhantes. Catou a flor ao alcance de suas mãos, trocou mais um sorriso com a Senhora e levantou-se.

- Se der, amanhã eu volto.

4 comentários:

Anônimo disse...

Volte. Volte sim. Ela estará esperando, aflita, para que suas flores restantes não sejam arrancadas pelos ventos vindouros do outono, antes que ela as possa lançar sobre você.

Mythus disse...

Ontem meu ortodontista perguntou: "Tudo bem?"
Eu respondi: "Tudo bem! Tirando todos os problemas, está tudo bem!"

Mas a menina tem razão, vai ficar bem. Ainda que passemos pelos piores sofrimentos, flores de cerejeira sempre brotam.

Anônimo disse...

Oi Helen, me identifiquei com o seu texto.
"Às vezes, acho que é a solidão latente que me acompanha no meio das presenças sempre distantes na minha vida. Tudo parece tão perto, mas é sempre tão longe."
"Presenças sempre distantes", muito profundo isso. Sempre perto do coração, mas longe do toque. Como isso dói...
Bem, a única coisa que posso dizer é que, uma hora ou outra, tudo muda, tudo se aproxima. As presenças distantes passam a ser próximas. E, nesse momento, a ruga na testa ainda existe, mas por outro motivo qualquer.
O segredo mesmo é olhar essas pequenas coisas que nos trazem felicidade a cada dia. Deitar-se embaixo da Senhora, admirar as flores, o vento, tudo.
... vamos admirar a vida!

Mythus disse...

Ainda quero ver essa Senhora Árvore (Ent). Tem foto?