março 09, 2007

esclarecendo o crime

Quando se recuperou do estado hipnótico em que se encontrava, aproximou-se um pouco. Com movimentos extremamente lentos, calculados centímetro a centímetro, foi ocupando o pequeno corredor entre o armário e o lado direito da cama. Agachou-se para ver melhor seu rosto. O vento balançava a cortina um pouco transparente. De repente, ela puxou o ar com mais força, largou o travesseiro, trocou de lado, encolheu as duas pernas. Ele arregalou os olhos e prendeu a respiração. Teve medo de que ela o pudesse ouvir. E agora? O que faria? Que loucura mais mal planejada essa na qual ele tinha se metido.

Queria deitar no espaço que ela parecia ter deixado agora para ele. Quem sabe, ela estivesse sonhando e se ele a beijasse, ela retribuiria seu beijo. Tocou o colchão. Passou a mão no lençol perto de suas costas. Testou apertar um pouco a espuma pra ver se ela se movimentava. Nada. Tudo parecia convidá-lo a dizer sim ao seu impulso. Ele, então, levantou um pouco e foi sentando devagar num pedaço mínimo da cama. Sentia-se meio bêbado de adrenalina. Ia tentar tocá-la, mas teve medo. Tentou só sentir o calor de seu corpo e foi acompanhando o desenho dos ombros, da cintura, dos quadris.

De repente, teve um surto de caretice e sentiu-se na mais absurda das situações. Saiu da cama, deixou o quarto. A adrenalina parecia ter desaparecido e a culpa subiu à cabeça. Ia já em direção à sacada, quando algo o fez novamente parar.

Momentos sublimes esses das decisões repentinas e alucinadas. Sempre me surpreendo com elas.

Pegou um papel e uma caneta perto do telefone e escreveu o bilhete que deixou no sofá: "Perdoe-me a invasão do apartamento, mas quem começou foi você. Amo-te profundamente."

4 comentários:

Anônimo disse...

Na delegacia:
-E você espera que eu acredite nisso? Que você apenas deixou um bilhete e foi embora? E depois outra pessoa viu você saindo do apartamento da vítima, a Lúcia, pela sacada e resolveu entrar no mesmo jeito? E foi essa outra pessoa que estuprou a vítima e a fez ir embora para a Argentina, com vergonha?
-Mas, doutor Plácido, foi assim mesmo que aconteceu. Eu juro, eu não fiz nada com a Lúcia. Só olhei a calcinha azul dela, escrevi o bilhete e fui embora.
-Então acho que você vai precisar de outro advogado. Eu não posso te defender com uma história tão absurda. O delegado Fontoura nunca vai acreditar nisso, ninguém vai. Ou você descobre onde foi parar esse bilhetinho que você escreveu, ou arruma outro advogado.
-E como eu vou saber, doutor Plácido? Como? O estuprador deve ter levado o bilhete depois do crime.
-Acho que não posso te defender, rapaz. Mas conheço um advogado mercenário que faria isso, se você pagar bem. É ele que está no famoso caso do homicídio de Jamil.
-Já ouvi falar.
-Uma vez, sobre esse caso, ele me disse:"Eu preferiria os honorários de um divórcio – dinheiro rápido e tranqüilo – por mais tumultuada que fosse a audiência na vara de família. Entretanto, penal paga melhor, vendo por esse lado..."

Helena Máximo disse...

45iso, você se esqueceu de uma coisa. O narrador da história é testemunha de tudo...

Anônimo disse...

esse narrador é onisciente?

Mythus disse...

auhauhahauhauha Belo crossover 45iso!!

(eu conheço alguém cujo comportamento é tão improvável quanto o desse rapaz - tem gente que acreditaria numa mentira, e não em sua mais pura verdade)